Com a base no princípio fonético, a nova ortografia cria palavras que não existiam no sistema ortográfico português, por exemplo, o caso de receção, que tem sido a grafia oficial em Portugal, mas recepção também é aceite porque é pronunciada com p no Brasil.

Maiores dificuldades surgem quando existe variação dentro do mesmo espaço geográfico, quando o próprio falante tem dúvidas se pronuncia, ou não, a consoante.

A Base IV dita a conservação e/ou a eliminação das consoantes c e p de sequências consonânticas interiores cc, cç, ct, pc, pç e pt.
O critério fonético (ou da pronúncia), que justifica a eliminação dessas letras nos casos em que não são pronunciadas pelos falantes, provoca uma das alterações de maior impacto na prática ortográfica portuguesa.

A supressão das consoantes mudas ou não articuladas é, assim, um dos pontos fulcrais do Acordo Ortográfico de 1990, sendo também aquele que maior desconforto provocou às pessoas, habituadas a associar ao significado da palavra a imagem acústica da sua pronúncia e a imagem gráfica da sua forma escrita. As principais resistências de um escrevente às alterações ortográficas relacionam-se, sobretudo, com a memória etimológica das palavras, isto é, com a imagem gráfica memorizada durante a aprendizagem e repetida enquanto escrevente.
Para além de razões etimológicas, as consoantes c e p têm sido conservadas porque permitem que as vogais que as antecedem, embora átonas, se mantenham abertas. Estas consoantes etimológicas têm sido, portanto, um sinal auxiliar de leitura. Segundo os redatores do texto de 1990, como a língua regista muitas outras vogais abertas sem qualquer consoante muda, em vocábulos frequentemente usados, o sinal auxiliar acaba por se tornar supérfluo. Há, de facto, vários exemplos de palavras que se grafavam com uma consoante não articulada e que, por sofrerem um processo de elevação do vocalismo átono, se pronunciam como vogais fechadas: didactismo, exactidão.
A percentagem de todas as palavras que sofrem modificação no léxico pela alínea b) é bastante reduzida, no entanto, será importante referir que a sua frequência de uso revela-se muito elevada em alguns casos (ex.: ação, objetivo, ótimo, receção).

Dificuldades
A valorização do critério fonético cria algumas dificuldades, uma vez que a pronúncia de determinada palavra depende de diversos fatores. O problema principal reside no facto de uma mesma palavra poder ser pronunciada de forma diferente por pessoas diferentes.
Por outro lado, a facultatividade abre, assim, a porta à oscilação individual. Num sistema ortográfico que se pretenda normativo, as opções não podem depender de pronúncias individuais.

Sequências consonânticas
Nas sequências consonânticas interiores cc, cç, ct, pc, pç e pt, a primeira letra (c ou p):
• é conservada nos casos em que é pronunciada em todos os países de língua oficial portuguesa, ou seja, a grafia passa a ser única por existir uniformidade na pronúncia: ficcional, ficção, pacto, egípcio, opção, rapto;
Observação: Um ponto pacífico por não provocar qualquer alteração e a grafia ser única em todos os países de língua oficial portuguesa, já que as consoantes são sempre pronunciadas.

• é eliminada nos casos em que não é pronunciada em nenhum dos países de língua oficial portuguesa, ou seja, a grafia passa a ser única por existir uniformidade na pronúncia: acionar, coleção, diretor, batizar;
Observação: Atendendo ao princípio fonético, a consoante, quando não pronunciada, é eliminada em prol de uma maior simplificação. No entanto, no texto de 1990, na alínea b), lê-se: “Eliminam-se nos casos em que são invariavelmente mudas nas pronúncias cultas da língua”, ou seja, as consoantes deverão ser suprimidas quando não são pronunciadas em nenhum dos países de língua oficial portuguesa, segundo o espírito expresso na Nota Explicativa.
De forma generalizada, nas obras publicadas, excetuando os primeiros dicionários que apresentavam uma leitura diferente, o entendimento sobre esta questão tem sido o de eliminar em Portugal, de forma drástica, toda e qualquer consoante que não seja pronunciada, em obediência plena ao dito ‘critério fonético’. Ora, seguindo à letra o texto de 1990, essa eliminação não tem necessariamente de ocorrer. O texto legitima a possibilidade de grafias duplas no espaço geográfico da língua portuguesa (ver ponto seguinte) quando há oscilação de pronúncia, ou seja, a nova ortografia deveria permitir a conservação de certas grafias que, apesar de apresentarem consoantes mudas, sejam legítimas, por serem proferidas, no Brasil. Assim, o que nos impediria de conservar algumas grafias que são admitidas nesse espaço? Não estaríamos, assim, mais próximos da desejada unificação ortográfica? Se o princípio é unificador, na prática não deveriam existir casos que gerassem grafias diferentes entre as duas normas e, além do mais, que nem sequer existiam no sistema ortográfico português. Refira-se, uma vez mais, os riscos de ambiguidade que muitos destes casos apresentam.

• é conservada ou eliminada nos casos em que existem divergências na articulação das consoantes c e p, recomendando-se, preferencialmente, a manutenção da grafia com a consoante: característica ou caraterística.
Observação: As letras c e p são conservadas ou não são grafadas nos casos em que não se encontrou uma solução para a unificação, ou seja, a possibilidade de grafia dupla é fixada.

O propósito da unificação da língua portuguesa (entenda-se uma grafia única para o espaço geográfico da língua portuguesa) dificilmente seria atingido, porque é impossível de alcançar (a não ser com alterações demasiado drásticas que poderiam descaracterizar drasticamente o idioma), e são os próprios redatores do texto de 1990 que o reconhecem ao afirmar que o novo Acordo não visa “impor uma unificação ortográfica absoluta” e “representa uma versão menos forte do que as que foram conseguidas em 1945 e 1986”.
Ainda que a existência de duplas grafias não seja inédita, sobretudo no português do Brasil (acessível, accessível, aspecto, aspeto), mas também no português europeu (abcissa, abscissa, cobarde, covarde), este novo texto legal vem aumentar exponencialmente o número de casos e dificultar as decisões a tomar pela lexicografia e também pelos professores de língua portuguesa, uma vez que introduz maior variabilidade e subjetividade no ensino da ortografia. Os lexicógrafos, sobretudo, têm encontrado muita dificuldade em tomar decisões por falta de instrumentos adequados e, no que diz respeito a vocabulário de especialidade, por se tratar de palavras menos comuns e sobre as quais há pouca informação lexical, a tarefa ainda é mais penosa.
Com a base no princípio fonético, a nova ortografia cria palavras que não existiam no sistema ortográfico português, por exemplo, o caso de receção, que tem sido a grafia oficial em Portugal, mas recepção também é aceite porque é pronunciada com p no Brasil.
Maiores dificuldades surgem quando existe variação dentro do mesmo espaço geográfico, quando o próprio falante tem dúvidas se pronuncia, ou não, a consoante. Dar conta da imensidão de pronúncias possíveis dentro do contexto da lusofonia não é tarefa fácil – pronunciamos característica ou caraterística? sector ou setor? contractura ou contratura?
A questão das grafias duplas tem sido um dos contra-argumentos mais invocados nesta questão ortográfica, entendendo-se que cria dificuldades ao nível do ensino do português e, principalmente, porque facultatividades devem ser, sempre que possível, evitadas dentro de um sistema ortográfico.

O seguimento do princípio fonético origina ainda a existência de grafias diferentes para palavras da mesma família (incongruências gráficas), como, por exemplo, Egito e egípcio, e aumenta o número de homonímias que deverão ser evitadas em qualquer sistema ortográfico que se pretenda simplificado e objetivo. É o caso em que se encontram os pares: aceção (sentido) vs. acessão (consentimento); corrector (quem corrige) vs. corretor (intermediário); espectador (aquele que assiste) vs. espetador (o que espeta); óptica (visão) vs. ótica (audição); recepção (recebimento) vs. recessão (retrocesso).
Pelo risco de homonímia insanável, sugere-se a manutenção da consoante etimológica, permitindo a distinção das formas gráficas. Propõe-se, em primeiro lugar, a reposição da consoante etimológica nos vocábulos em questão e em palavras da mesma família e, em segundo lugar, uma nova redação do texto legal que recomende explicitamente esta manutenção, podendo ser considerada uma das exceções à supressão geral das consoantes ditas ‘mudas’.
Por tudo o que foi exposto, vimos propor um novo entendimento da Base IV.

As consoantes c e p das sequências consonânticas cc, cç, ct, pc, pç, pt, que figuram em palavras que (idealmente) devem harmonizar-se graficamente com formas afins, deveriam conservar-se nos casos em que a sua eliminação, por uma aplicação cega do ‘critério fonético’, origina grafias que não existiam na língua portuguesa e ainda que essa consoante possa não ser proferida ou se admita uma possível oscilação entre a sua prolação e o seu emudecimento: concepção > *conceção; concepcional > *concecional; concepcionário > *concecionário; conceptismo > *concetismo, conceptualizar > *concetualizar). Eliminar-se-ia, assim, casos de grafias duplas completamente dispensáveis e reduzir-se-ia a probabilidade de ambiguidade relativamente a outras palavras já existentes (*conceção/concessão, *concecional/concessional, *concecionário/concessionário),
Propõe-se, assim, a reposição da consoante e, em seu favor, seguir a tradição ortográfica que valorizava o critério etimológico, a similaridade do português com as demais línguas românicas e a possibilidade de, num dos países, exercer influência no timbre da vogal e.

Registo lexicográfico
A presente norma ortográfica, sendo aplicada a eliminação das consoantes c e p em determinados vocábulos, tem implicações na macro e microestrutura do Vocabulário e do Dicionário da Academia.
As alterações ortográficas serão introduzidas na nomenclatura e no corpo dos diversos artigos dos dicionários.
As grafias anteriores, principalmente para facilitar a pesquisa de vocábulos nos dicionários, serão conservadas com uma marcação especial. Exemplos acção (> ação), projecção (> projeção).
As grafias duplas admitidas em Portugal, no caso de permanecerem (ou seja, se o aperfeiçoamento desta base não for considerado), poderão figurar, como verbetes independentes, no Vocabulário digital cuja revisão está em curso. O Dicionário apenas acolheria a preferencial, com indicação, em observação, da variante, mas não como verbete independente. Exemplos: característica (caraterística, como não preferencial), sector (setor, como não preferencial).

Lisboa, 11 de janeiro de 2017
Ana Salgado


Instruções.
O primeiro c, com valor de oclusiva velar [k], das sequências interiores cc, cç e ct, (segundo c com valor de sibilante [s]), e o p das sequências interiores pc (c com valor de sibilante), pç e pt, ora se conservam, ora se eliminam.
Assim:
a) Conservam-se nos casos em que são invariavelmente proferidos e a grafia com a consoante é única em todos os países de língua oficial portuguesa: adepto, compacto, convicção, convicto, dicção, ficção, pacto, pictural, adepto, apto, díptico, erupção, eucalipto, inepto, núpcias, rapto;
b) Conservam-se nos casos em que geram homofonias geradoras de ambiguidade: concepção, espectador, recepção;
c) Conservam-se nos casos em que a sua eliminação origina grafias que não existiam na língua: abjeccionismo (*abjecionismo), anticeptismo (*anticetismo), conceptível (*concetível), interruptor (*interrutor).
d) Conservam-se ou eliminam-se nos casos em que se verifica oscilação de pronúncia na variedade portuguesa da língua, recomendando-se preferencialmente, nestes casos, a manutenção da grafia com a consoante, para evitar arbitrariedades: característica, infeccionar, sector.
e) Eliminam-se nos casos em que são invariavelmente mudas em todos os países de língua oficial portuguesa. A grafia passa a ser única em todos os países de língua oficial portuguesa: acionar, abstracionismo, afetivo, atual, batizar, coleção, direção, diretor, exato, projeto.

 

 

kuna

nome feminino

antiga unidade monetária da Croácia

Código: HRK

Do servo-croata kuna, ‘marta’, pelo inglês

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Vocabulário da Língua Portuguesa é um dos recursos lexicográficos de referência da Academia das Ciências de Lisboa. Embora se tenha tomado como base de partida os anteriores vocabulários académicos, este vocabulário digital foi elaborado inteiramente de novo.

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