sábado, 01 agosto 2015
O mundo é das mulheres!
Por Ana Salgado
por Ana Salgado
Hoje escrevo sobre mais um tema controverso: a feminização de algumas profissões que atualmente já não são exclusivamente desempenhadas por pessoas do sexo masculino. Aproveito, desde já, para deixar bem claro que não pertenço a qualquer movimento feminista, nem tão-pouco quero tecer grandes juízos de valor sobre este assunto, isto porque esta discussão levanta questões de ordem social, cultural e sociológica que também devem ser analisadas. Mesmo sendo mulher, esforçar-me-ei por ser o mais imparcial possível, pretendendo apenas clarificar o assunto do ponto de vista linguístico.
É sobejamente conhecida a frase: “O mundo é das mulheres!”. Na verdade, esta frase advém de alterações ocorridas na própria sociedade e na História em geral. As mulheres, outrora confinadas a um trabalho reprodutivo e educativo, passaram a participar lentamente na vida político-social e em actividades profissionais que, durante muitos anos, foram tradicionalmente reservadas aos homens. Com o aumento do número de mulheres no mercado de trabalho, bem como o acesso a cargos exclusivamente masculinos, o sistema gramatical da língua portuguesa teve necessariamente de se adaptar a esta nova realidade. Por esta razão, determinados vocábulos como juiz, ministro, etc., identificados pela tradição lexicográfica como nomes masculinos, sofreram alterações morfológicas e esta mudança de paradigma é atestada em várias obras lexicográficas portuguesas actuais. Formas femininas como advogada, médica, e mais recentemente árbitra, bombeira, engenheira, juíza, ministra ou senadora, foram entrando na língua e a maior parte delas já é devidamente reconhecida e já ninguém estranha o seu uso. Acontece que sempre que se introduz um termo novo na língua (ainda que apenas se trate de um novo termo flexionado, neste caso uma forma feminina), verifica-se uma certa hesitação ou até mesmo resistência no seu uso, que acaba por ir diminuindo à medida que estas palavras vão sendo mais usadas e, principalmente, quando vão surgindo diariamente nos órgãos de comunicação social, seja de forma escrita, seja de forma oral.
Como surgem as formas femininas?
A formação de novos femininos encontra-se directamente relacionada com palavras análogas com a mesma terminação ou o emprego que se vai generalizando. Nos casos acima referidos, como engenheira, ministra, optou-se por formas flexionáveis na formação destas formas (o acrescento da vogal a). Apesar de estes termos, de uma forma geral, serem mais fáceis de aceitar pelo comum falante, há formas que poderemos estranhar por serem formas femininas homónimas (ou seja, palavras com grafia idêntica e sentido diferente) de outras existentes. É o caso, por exemplo, de música numa frase como “A Teresa é música”. Pelo contexto facilmente percebemos que música é a profissão de Teresa, embora seja nosso hábito dar outro significado a esta palavra, o da arte em si ou da própria composição musical. O mesmo acontece em vocábulos como informática, política, etc. Há também outros casos que não deixam ser curiosos como o do uso de juíza enquanto mulher que exerce as funções de juiz. Neste momento, tanto se considera correcto dizer “a juiz” como “a juíza”, mas há quem rejeite a forma feminina, ainda que seja esta a que vem atestada em dicionários e gramáticas. Fenómeno inverso acontece com poetisa, em que muitas mulheres consagradas como poetisas preferem ser poetas, apesar de o vocábulo poeta não se encontrar registado como nome uniforme quanto ao género em nenhuma obra. O feminino de poeta é poetisa e não há nada que aponte para um sentido depreciativo. O mesmo acontece com maestro cujo feminino é maestrina e há mulheres que se afirmam como maestro. São questões curiosas e até deliciosas! Já reparou, caro leitor, que há nomes de profissões que existem em ambos os géneros e que apresentam um sentido diferente quando empregados no masculino ou no feminino? Um cozinheiro pode ser considerado um chef de cuisine, mas a cozinheira não é sempre aquela que está à frente do fogão? E o costureiro não é um criador de moda e a costureira não passa daquela que costura? Deixo-vos uma questão: será a língua machista? Será esta uma das razões de tanta controvérsia?
Voltando ao processo de formação do feminino, outras vezes, a opção recai sobre formas invariáveis, isto é, existe uma única forma para ambos os géneros. É o que acontece em vocábulos como chefe, comandante ou o badalado presidente, que aparecem registados nos dicionários como nomes de dois géneros (uma única forma para ambos os géneros), nos quais a marca que distingue o masculino do feminino apenas se encontra no artigo que antecede estas palavras, dependendo do sexo a que se refere: o chefe e a chefe; o comandante e a comandante; o presidente e a presidente. É certo que muitos destes termos apresentam uma variante feminina com a vogal a final, mas quase todas estas formas acabaram por não vingar na língua por se revestirem de uma conotação pejorativa, de que são exemplos caba, comandanta, generala, chefa, parenta, preferindo-se, por isso, o seu uso enquanto nomes de dois géneros.
E os homens cuja profissão termina em -a?
Então e os homens cuja profissão termina em -a será que exercem trabalhos efeminados? Haverá profissão mais masculina em Portugal que ser trolha? Quererão os homens ser trolhos, autarcos, dentistos, electricistos, pianistos, presidentos? Como vemos, esta questão nada tem a ver com a terminação das palavras. Não é pelo facto de uma palavra terminar em o ou a que o seu género é definido. Sem dúvida alguma que há uma tendência do sistema gramatical para a terminação em a no feminino, mas esta não deve ser generalizada. Além do mais, mesmo que uma palavra até hoje tenha sido aplicada tradicionalmente a homens, isso não significa que não possa vir a ser usada para o sexo feminino. Seria um verdadeiro disparate começar a procurar formas femininas para todos os vocábulos. Há alguns femininos cuja adopção se apresenta completamente desnecessária: será que uma dirigente sentir-se-á mais realizada se a tratarem como dirigenta?
Também não deixa de ser verdade que, por vezes, os próprios especialistas gostam de complicar um pouco as questões ou, melhor, arranjam soluções algo rebuscadas. Vejamos o caso de embaixador. Como este cargo era reservado a homens, ficou estabelecido que para evitar confusões, a sua esposa seria a embaixatriz e uma mulher que exercesse esse cargo seria a embaixadora, coexistindo, assim, dois femininos diferentes para um mesmo vocábulo. Algo complicado, não? Isto quando as imperatrizes podem ser as esposas e as titulares do cargo, e esta, hein?
Por fim, que me perdoem os leitores do sexo masculino, mas hoje deixo uma saudação especial para as mulheres em tom de brincadeira: “Cientas do nosso papel, é certo que nem todas chegaremos a presidentas, mas não seremos ignorantas e queremos é andar todas muito contentas!”.
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